quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

PROSA DE ESPINHOS - QUISERA EU

terça-feira, 27 de setembro de 2011

MARIANA [parte 2]


Mariana não se preocupava com a família e nem com seu lugar de origem nesse momento, pois sua mente estava ocupada em salvar sua vida. Soltou outro grito tão agudo quanto o primeiro. Os gritos foram ocasionados devido à pontada fina na barriga, uma dor crônica que parecia atingir a alma. Pôs as mãos no ventre e apertou as carnes para tentar desviar o foco da dor – não obteve sucesso. Caiu novamente junto a um poste se contorcendo de dor. Ela sabia que aquelas dores eram mortais, entendia que deveria encontrar um abrigo; talvez fosse um instinto animal de se recolher e morrer em paz. Contudo, estava exposta e completamente vulnerável. A dor passou. Usou o poste de energia como apoio e levantou novamente. Ainda estava tonta, mas conseguia caminhar e seguiu sem rumo. Ela parou por um instante e percebeu que estava sem calcinha por baixo da saia; percebeu, também, alguns arranhões nas pernas. O que teria acontecido? Ela pensou logo que fora estuprada, mas não sentia nada diferente em sua vagina, estava intacta. Seu corpo estava todo dolorido, como se tivesse pegado alguma dessas febres tropicais, mas a vagina estava ilesa. Ainda não se lembrava de seu passado e as únicas lembranças se resumiam nos eventos ocorridos após ter acordado naquela calçada esburacada. Sentiu a necessidade de falar com alguém, talvez pudessem fazer algo por ela.

Começou a procurar alguém entre as pessoas que estavam na rua que tivesse a cara de solidária. “A solidariedade pode ser vista no rosto?” Sabia que raciocinava bem, pois teve esse questionamento formulado em sua mente. O que teria a feito esquecer tudo? Mariana tentou falar com uma ruiva que passou de seu lado, mas foi ignorada; era como se fosse um fantasma, ninguém dava conta de sua presença. Um senhor de quarenta anos veio em sua direção e esbarrou com o ombro nela. O impacto a fez cair novamente no chão – o senhor seguiu seu curso como se nada tivesse ocorrido. Agora tinha certeza que não era um fantasma, era real, palpável. Pôde levantar sem ajuda de ninguém.  

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

MARIANA


Mariana acordou com o calor produzido pelos raios de sol que queimavam a pele de seu rosto. Ao abrir seus olhos mirou imediatamente o sol e sentiu o efeito da força de sua luz. Ficou sentada pelo menos dois minutos até recobrar a visão. Primeiro observou o local onde estava sentada: uma calçada mal feita e cheia de buracos. A sensação de Mariana era de completa desorientação, pois não sabia onde estava e nem como tinha chegado até ali. Apenas ecoava em sua mente a palavra MARIANA. “Eu sou Mariana”. Não entendia essa necessidade primária de auto-identificação. Era como se fosse a última lembrança que a diferenciava de tudo no mundo. “Eu sou Mariana e não sou essa calçada esburacada”.

Vestia uma camisa branca, enfeitada com muita renda e uma saia marrom que cobria até o dedo dos pés – parecia uma hippie. Tentou se levantar, mas ficou tonta e sentou novamente. Tinha que se levantar porque o chão estava começando a esquentar. Mariana percebeu o gosto alcalino na boca e uma vontade imensa de vomitar. Uma sensação que ia e vinha; oscilava. Ao ficar em pé observou onde estava: era uma rua constituída com casas dos dois lados, cuja padronização levava a crer que era um desses conjuntos habitacionais ofertados pelo governo; um lugar para gente pobre. Ela caminhou um percurso entre duas casas e se apoiou no muro de uma delas, pois a tontura tinha voltado. “O que vai acontecer comigo? Como vim parar aqui?” Já eram perguntas que povoavam a mente de Mariana. Na mesma casa em que tinha se apoiado ouvia-se barulhos de seu interior. Ela, então, resolveu bater palmas para que alguém pudesse ajudá-la. Uma mulher negra apareceu carregando um bebê nos braços. “Água”. Foi a única palavra que Mariana tinha conseguido pronunciar. A negra gritou por um dos filhos que logo veio – era bastante magro e tinha a pele mais escura que a da mãe – e pediu ao garoto que trouxesse água. O portão da casa nem sequer foi aberto  e Mariana chegou a tomar dois copos d’água. No primeiro copo percebeu que a ânsia de vômito aumentou, no segundo parecia que a água era composta de centenas de agulhas que feriam sua garganta e laringe. Quando a água do segundo copo bateu em seu estômago voltou imediatamente. Uma contração forte e dolorosa fez com que ela vomitasse. Entregou o copo que ainda estava em suas mãos, olhou para o chão e viu a substância verde que tinha saído de si.

Decidiu continuar caminhando titubeante e nem percebeu que a dona da casa a amaldiçoava pelo vômito deixado em sua porta. Marina tinha traços indígenas. Sua cor vermelha como um jambo era excepcional e seu cabelo era tão liso que não dava uma volta sequer. Começou a observar o cenário ao seu redor. Realmente nunca estivera ali, tudo era estranho e até o ar que entrava em seus pulmões era como de outra atmosfera. As pessoas começavam a sair de suas casas, talvez para o trabalho ou para ir à padaria. Todos, sem exceção, ignoravam a presença da estranha em sua rua, mesmo quando ela soltou um grito agudo.

domingo, 25 de setembro de 2011

VOLTEI


Quanta saudade estava desse blog! Só agora consegui uma internet boa e com preço accessível. Pena que a tela desse computador não passe aromas, toques, pois sentiriam na pele a minha felicidade. Fiquem com as palavras. Eu já estou com elas, talvez morra por elas. O que fiz nesses meses? Nem eu sei. Hibernei, mas chegou a primavera. Estou vendo o que mais amo nesse momento e me sinto vivo, mas com um desejo de morte indizível. Quero morrer nessas linhas, ser cremado nas vírgulas.. ainda não penso, mas sei que existo porque parei no ainda. Deixe de falar, melhor, escrever essas besteiras. Não, devo continuar e acabar definitivamente com isso. Acabar... tudo que quero é isso, dar um basta.

Voltei! Já me reconheceram, mas eu não percebi a mudança.

sábado, 25 de junho de 2011

BUKOWSKI - pareçe que lê meus pensamentos

o humilde herdou

se eu sofro assim diante dessa
máquina de escrever
pense como eu me sentiria
entre os colhedores
de alface em Salinas?

penso nos homens
que conheci nas
fábricas
sem qualquer chance de
escapar -
sufocados enquanto vivem
sufocados enquanto riem
de Bob Hope ou Lucille
Ball enquanto
2 ou 3 crianças jogam
bolas de tênis contra
as paredes

alguns suicídios jamais são
registrados.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

ESCREVI ESSAS PALAVRAS NO FINAL DO ANO PASSADO[que saudade!]


"Cheirou minha camisa impregnada de feromônios. Fez um sinal negativo como sempre faz ao gostar de algo meu. Fiz com que cheirasse mais e joguei meu corpo sobre o seu. Acaricio seu corpo quase por completo; sabe os momentos certos dos toques. Como suspiro tentando tirar de minha mente suas pernas, sua barriga, a cor de sua amilo. Sabe me ganhar deixando minhas mãos escondidas nas tuas. Gosta de mexer em minha barriga e me arrancar cócegas. Está tocando meu corpo e cada dia descobre um novo recanto, uma nova forma de me matar através dos sentidos. Fico pensando... Estou definhando novamente. Esse é meu principal sintoma, mas fico para mim, para a página. Não expresso ao mundo o que passa, meu exibiconismo é velado, dissimulado."

NA SALA DE ESTAR


Tinham se conhecido há uns dois anos. Quando estavam juntos era apenas uma relação de carinho. Osmair contava com dezoito anos e Sandra dez a menos que ele. Mesmo com a diferença de idade a garota apresentava uma atração inexplicável pelo rapaz que adorava sua companhia. Ela freqüentava a casa de Osmair para brincar com a irmã dele que possuía a mesma idade.
Os anos se passaram e Sandra se tornou mais próxima de Osmair que de sua irmã. Os pais do jovem reprovavam a aproximação dos dois, visto afirmarem não existir amizade entre homem e mulher. Um evento inesperado mudou o rumo da relação dos dois: quando o garoto estava em frente ao computador Sandra chegou por trás e o abraçou. Até esse momento estava tudo dentro da normalidade, mas nesse abraço a língua de Sandra passeou dentro da orelha de Osmair. Ele teve um sobressalto e ficou excitado instantaneamente.  Derrubou a cadeira que estava sentado e, com o barulho, sua mãe correu até a sala perguntando o que acontecera. Osmair respondeu:
- Sandra me assustou e a cadeira caiu.
A garota também ficou assustada com a situação e saiu correndo. Porém, a relação dos dois tinha mudado para sempre.
Quando Sandra completou quinze anos uma atração física e incontrolável entre os dois surgiu, mas ambos não revelavam seus sentimentos um ao outro. Tocavam-se e sentiam como que uma corrente elétrica atravessasse seus corpos. Osmair sentia um ciúme enorme de Sandra e ficava, literalmente, doente só em pensar que ela gostava de outra pessoa.
Nesse período que Sandra teve seu corpo desabrochado, tal como uma flor que atrai pelo cheiro e pela beleza, Osmair conseguiu uma camisa dela e dormia todas as noites abraçadas a ela. Ele tinha roubado essa peça de roupa quando Sandra foi dormir no quarto de sua irmã. Embriagava-se todas as noites com o cheiro de Sandra. Essa atração de Osmair logo se tornara uma obsessão. Masturbava-se três vezes ao dia pensando nela. O máximo de intimidade que tiveram foi numa sexta-feira da paixão quando estava só em casa e Sandra apareceu procurando a irmão de Osmair. Ele deu um sorriso no momento em que a viu parada em sua porta ao sol. Nela tudo parecia atraente: seu cabelo negro, sua nuca aveludada, os pelos que apareciam em sua barriga. Ele conseguia sentir o cheiro dela com dois metros de distância. Ela perguntou o que ele fazia; respondeu que estava assistindo a um filme – foi para a sala de estar com ele.
Sandra sentou-se no sofá e Osmair deitou-se no chão disfarçando a excitação que saltava aos olhos. Começou a alisar as pernas da garota que também ardia em suas entranhas. Ela fingia que não estava acontecendo nada. Ele se ergueu e beijou a coxa dela; numa atitude rápida e ousada tocou a vagina de Sandra por cima da bermuda. Ele levantou e saiu correndo da casa. Osmair ficou muito preocupado, pois pensava que ela nunca mais iria olhar para ele. Foi tomar banho e, logo após, deslocou-se à Igreja par a celebração da sexta-feira da paixão. Já dentro do templo seu corpo e sua alma desejavam Sandra. Naquele dia nunca tinha se sentido tão cheio de desejo, tão mortal. O padre estava erguendo uma cruz de madeira e Osmair só lembrava a cor dourada da amada ao sol – teve uma ereção dentro da Igreja.            

quarta-feira, 15 de junho de 2011

SEM CORAÇÃO [parte final]


O mais chocante, sem sombra de dúvida, foi o estado do corpo de meu amigo. Não o chamo de amigo apenas porque está morto. Guardo uma afeição por ele. Não pude ver seu rosto; sua camisa foi levantada e cobria sua cabeça. Seu tórax estava exposto. Não sabia que possuía um sinal perto das costelas: uma marca negra e se forma definida. Sangue por todos os lados e pegadas vermelhas parecia fazer parte da decoração da cerâmica que revestia o chão. Ate hoje lembro a surpresa que tive ao perceber o horrendo rombo feito nas costelas de Sandro. Era um quadrado quase perfeito de onde jorrava muito sangue, mas dava para ver o branco das costelas. Cheguei à conclusão que tinham sido serradas porque, ao lado do corpo, estava um arco de serra todo melado com o líquido vermelho.
Dentro da casa já estavam duas pessoas e já podia ouvir os rumores que tinham arrancado o coração de Sandro. Acompanha tudo isso atônito, ma podia acreditar. Arrancaram o coração de meu amigo. Não se sabe se o coração fora arrancado com ele vivo; qual a diferença?
Sou péssimo em desenho, senão faria um para mostrar como era o arco de serra que abriu as costelas de Sandro. Consistia num arco parecido com o que lançam flechas, mas feito de aço que possuía três extremidades: uma para o apoio das mãos e as outras duas seguravam a lamina de serra. Essa lamina era de cor amarelada com serras minúsculas, porém tão poderosas que cortavam até alguns metais. O apoio para a mão era emborrachado. Estava todo melado de sangue. Imaginei como a barbaridade foi consumada; como aquela serra atravessara os ossos; de que modo teria feito o buraco na forma quadrada. Será que foi um médico que fez aquilo devido à precisão do corte?  Qual a intenção de deixar Sandro sem coração? Estaria ele envolvido em alguma seita de magia negra? Não sei. Nem a polícia queria saber. Nenhum familiar foi reclamar o corpo.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 6]


Estava num estado de sonolência absurdo. Não entendia direito o que estava acontecendo e levantei da cama atordoado. Só deu tempo de vestir uma camisa e colocar minha sandália de plástico. Quando cheguei à rua o sol feriu meus olhos e aumentou ainda mais minha sensação de desorientação. Nem me lembrei de pegar a bicicleta; não era tão longe assim; apenas chegaria mais rápido. O que sentia era um nó na garganta. Só percebia que a vida era realmente rápida nesses instantes, tão veloz como minhas pernas eram naquele momento. Por incrível que pareça, não demorei tanto como devia e cheguei ao alto da ladeira que era o começo da rua de Sandro. Estava lotada, mas não foi isso que chamou minha atenção de imediato. A luz. O brilho dos últimos raios de sol estava refletindo nas águas sujas da maré, mas logo se dissipou. Quando voltei do brilho hipnótico percebi que todos corriam na direção da casa do finado.
Ainda não tinha nenhuma autoridade policial para dar ordem ao caos instaurado naquela rua. Contudo, as pessoas estavam com medo de entrar na cena do crime. Os curiosos olhavam desconfiados pela janela; não queriam se envolver em nenhuma espécie de problemas. Quando entrei na casa duas pessoas estavam olhando o corpo, provavelmente vizinhos mais corajosos. Antes de descrever o qual o estado do corpo de Sandro quero relatar algo que achei estranho – poderia passar despercebido para muitos, mas não para mim. A TV e o aparelho de DVD estavam ligados e tocando uma banda de pagode. Já tinha comentado anteriormente que Sandro não gostava de música. Realmente não entendia aquela banda sendo executada nos aparelhos eletrônicos de Sandro.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 5]

Depois que minha mãe me salvou de uma encrenca, Sandro não demorou mais que cinco minutos; disse que ia para casa. Contudo, antes de ir embora, me contou algo interessante: afirmou que esse tal vizinho estava devendo uma boa quantia de dinheiro a ele e da próxima vez iria ameaçá-lo; caso não pagasse, cumpriria a promessa. Estava tentado ir à casa de Sandro, mas o olhar de minha mãe ainda não tinha saído de minha retina. Entrei e fui dormir meu pesado sono vespertino. Despertei! Mãe balançava minha cabeça.
- Acorde que o menino que trabalha no açougue veio dizer que Sandro acabou de ser assassinado. Acho que foi na casa dele.

domingo, 29 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 4]

Desde a minha prima nunca mais tinha visto ele com mulher. Suas psicoses e seu contato com as drogas devem ter deixado ele sem tesão. Vou contar, de uma vez por todas, como foi seu assassinato. Devo adiantar que não presenciei, mas fui ver o corpo minutos depois. Não sei se é privilégio, mas creio ter sido a última pessoa a estar com ele até seu encontro com o assassino.
Minhas idéias às vezes são desconexas, mas tentarei contar sem me perder na empolgação. Não sei se é comum, mas estou com o nível de adrenalina alto nesse instante. Sinto meu coração pulsar em minha garganta. Deixa para lá! Foi numa sexta-feira. Sandro tinha ido entregar cocaína a meu vizinho e, como sempre, passou lá em casa.
A tarde estava muito bonita. Aqui no Brasil isso significa o céu sem nuvens e um calor imenso. Fazia um mormaço tremendo e a árvore de Ficus na frente de casa não balançava uma folha sequer. Estava deitado na rede – suando e quase dormindo – quando ouvi palmas na casa d meu vizinho. Sabia que era Sandro, pois possuía um jeito peculiar de bater com as mãos: as pontas dos dedos da mão direita batam bem no centro da outra mão fazendo um estalo agudo. Foram doze palmas. Lembro até isso! Sabia que viria até minha casa e já passei a ficar sentado na rede.
Estava muito calmo, nunca tinha o visto dessa forma. Estranhei. Perguntou sobre o paradeiro de meu vizinho e respondi que não sabia. Ofereceu-me erva transgênica vinda de um país da América do Sul. Prefiro não dizer o nome da erva. Sim! Tenho surtos de moralismo. O que impressiona é que até essa droga natureba já sofre modificação genética. A condição imposta para ganhar a Mac... a erva era de ir pegá-la em sua casa. Por sorte, minha mãe estava chegando do centro da cidade naquele instante; como estava carregada com compras fui ajudar a segurar as sacolas. Em dois segundos, dois míseros segundos, ela lançou-me um olhar ameaçador. Caso minha mãe não tivesse lançado esse olhar mortal talvez tivesse aceitado o convite de Sandro e poderia não estar contando essa estória. Não gosto de desobedecer minha mãe e nesse caso deu muito certo.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 3]


Não posso deixar de contar mais uma do Sandro: o convidei para uma festa e fui buscá-lo com o carro de meu pai. Creio ter colocado suas melhores roupas e, devo dizer, sem safadeza nenhuma, que ele era uma cara “de presença”. Na verdade esse termo é posto para um homem não assumir que o outro é bonito. Então, Sandro era um cara “de presença”. Voltando à festa: ele foi a sensação, todas as meninas o queriam tirar para dançar. Ele se portava como um burguês – dizia que tinha a melhor moto, que morava na zona sul, etc. Eu apenas admirava sua “performance” de longe. Roubaram um celular nessa festa; desconfiei dele, mas não pude provar.
Um vizinho meu estava comprando pó a ele. Foi esse o motivo de vê-lo com muita freqüência. Trocávamos palavras duas vezes por semana sempre para me perguntar se eu tinha visto o filho dele; depois me contava suas inquietações. Em uma das conversas à porta de minha residência afirmava estar sendo observado por uma pessoa da casa ao lado da minha, mas eu não conseguia ver nada. Ele continuava a dizer que tinha alguém lá no escuro. Como não vi nada dei de ombros. Acho que é uma expressa antiga, “dar de ombros”. Devo ter lido em algum livro, pois nunca vi ninguém usar isso. Realmente não entendia essa mania de perseguição de Sandro e encarava como uma dessas doenças urbanas que os psicólogos inventam todos os dias. Não quero que os profissionais da psicologia se sintam hostilizados pelas minhas palavras. Reitero: não entendo nada de psicologia. E, quando afirmei que eles inventam doenças... Ah! Deixa para lá.
Minha empolgação em contar essa estória me fez se esquecer de descrever Sandro. Já tinha dito que era “de presença” e vou entrar em detalhes. Como me disseram que beleza é algo relativo e cultural, cheguei a essa conclusão, pois todas as garotas que o viam se interessavam por ele. Tinha os olhos castanhos e sempre deixava a barba por fazer. Tinha a pele branca e era magro, mas de uma magreza não anoréxica. Uma coisa que achava curioso em seus trejeitos era que nunca piscava quando alguém lhe estava contando algo. Arregalava ligeiramente os olhos e lhe encarava sem desviar a atenção. Possuía um topete natural que caía na testa e fazia-o parecer um italiano da década de 1960. Sandro foi a primeira pessoa que me disse não gostar de música. Pelas poucas vezes que fui a sua casa pude perceber que não possuía aparelho de som, aliás, aparelho eletrônico só havia uma TV e um aparelho de DVD. Era fanático por futebol gostava do time de maior torcida do Brasil. Não vou citar o nome desse time, pois o detesto.



terça-feira, 24 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 2]

Não falava uma palavra sem mexer no nariz. Foi nesse momento que ele observou no céu uma estrela cadente. Infelizmente só pude ver o final desse fenômeno – um dos mais bonitos da natureza. Ele fez um pedido inaudível aos meus ouvidos. Logo após percebi que ele realmente estava com problemas. Começou a contar uma história sem pé nem cabeça. Afirmava a todo o momento que já possuía dinheiro para comprar uma moto. Disse, ainda, que tinham arrombado sua casa e atirado seu sofá na maré. Quando tinha chegado ao começo da rua em que mora, ou seja, no alto da ladeira, pôde observar seu sofá boiando nas águas poluídas e salgadas da maré que, como disse anteriormente, era o final da rua. Sandro disse que não sabia como e quando sua casa foi arrombada, pois estava fora há três dias. Estou louco para contar logo seu assassinato, porém é muito importante contar como foram meus últimos contatos com ele – não quero botar a carroça na frente dos bois.  Nesse mesmo dia afirmou estar sofrendo uma perseguição. Não entendi a princípio e não dei importância ao que ele falava, mas segurou meu braço e apertou:
- Acho que querem me matar, mas não sei quem é. Ontem a noite estava deitado na cama e ele tirou uma telha e ficou me observando lá de cima. Só seu para ver a parte branca de seus olhos. Não conseguia me mexer de medo e pegue no sono; quando acordei a telha estava faltando.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte I]


Devo confessar que sou um leitor voraz, mas sempre esqueço o nome dos livros. Tenho a necessidade de dizer isso antes de iniciar a história propriamente dita. Preciso ser viril para terminar ela – o que acabei de dizer não é original, pois li em um livro de uma mulher. Concordo com a autora: escrever exige força e tenacidade. Vou contar os fatos que antecederam um assassinato, mas não foi uma morte comum. É comum morrer, porém dessa vez me impressionei. Não fico abismado rápido com as coisas e sei que não sou um bom narrador. Vou correr um enorme risco tentando contar esses eventos. Quero pedir desculpas antecipadamente, pois sei que sou inconstante  – posso parecer empolgado e, logo na seqüência, não demonstrar nenhuma emoção. Agora, portanto, estou ansioso para contar a estória do assassinato de um conhecido meu.

Sandro era seu nome. O conheci através de uma prima, visto ser ele pai de seu filho. Para minha sorte – e dela – esse relacionamento não durou muito. À primeiro vista ele era esquisito: morava só, ninguém sabia quem o sustentava e andava bem arrumado. Com certeza roupas de marca não faltavam em seu armário. De uma coisa eu sabia com certeza, não deve ser surpresa; já devem imaginar que ele usa drogas. Eu mesmo já tinha fumado um entorpecente popular com ele, mas agora sabia que estava viciado em cocaína. Contudo, ele mesmo me informou que agora estava vendendo essas substâncias. Lembrei que meus amigos sempre caçoavam de mim por utilizar a palavra entorpecente. Gosto dessa palavra, pois parece exprimir os efeitos das drogas: e-n-t-o-r-p-e-r-c-er. Sandro morava em um local inóspito, pelo menos para mim, pois era uma vila perto de uma maré. A rua era uma ladeira e não possuía asfalto; era um lugar tenebroso: as casas não tinham reboco, o que dava um aspecto ainda mais feio ao local. Era um lugar pobre típico do Brasil. O movimento nessa rua era bastante intenso porque na última casa havia uma “boca de fumo” e gente de todos os tipos desciam a ladeira para comprar drogas.

Certa vez, Sandro chegou afobado lá em minha casa. Minha mãe tinha ido atender a porta e já veio me dizendo:

- Já falei que não gosto desse rapaz. Para de andar com ele. Basta o que fez a sua prima.

Estava completamente “chapado”.   

sexta-feira, 22 de abril de 2011

EXISTE UM TEMPO PARA CADA COISA - NÃO ME CONFORMO





“Há um tempo para cada coisa”. Essa máxima hebraica é muito difundida para explicar nossa passividade perante certos eventos humanos. Nunca sabemos o tempo certo de nada; as coisas vão acontecendo e nós nos conformamos repetindo àquela primeira frase. Óbvio! Trato das coisas humanas. É muito certo que há um “tempo para plantar e outro para colher”, mas o tempo – meu tempo – não obedece as essa leis naturais. Minhas pulsões aparecem desassociadas das estações do ano. Acho que não sou natural.