quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Triste fim de uma gota na Quaresma



Estou caindo! Lá vou eu novamente; sou uma gota de chuva e tento cumprir meu ciclo. Pena que estou sendo interrompida pela intervenção do homem.
Eu tão pura, límpida, quando chego a terra, em vez de ser sugada por ela me misturo com lixo. Tento escoar das estradas que o homem faz, mas os bueiros estão entupidos. Aí não deixo barato, faço uma porção de buracos nas pistas; eles ainda colocam a culpa em mim!
Preferia ficar sempre como nuvem, alva e pura, mas ouvi comentários com minhas amigas gotas que em um lugar, as nuvens estão sendo contaminadas: os homens chamam de chuva ácida. Que tupã nos proteja!
Preferia ser vapor d’água a ficar em um rio recebendo esgoto industrial; rios que os homens mudam o curso, desmatam as nascentes e margens e, quando pedimos o que é nosso, somos as culpadas. Não quero ficar co um complexo de culpa.
Devo aceitar sua intervenção? Não! Continuaremos sempre unidas, chorando pela natureza e a reclamar o que é nosso.
Estou caindo. Chegando perto. Não! No Tietê, não!
(Escrito em: 19/01/2004)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Considerações sobre o tempo


Ultimamente as pessoas reclamam que “não tem tempo para nada”, que os últimos anos “passaram correndo”. Será que o tempo está cronologicamente (o tempo do relógio) mais rápido? Qual a diferença dos tempos atuais e o das nossas avós?
Não quero fazer uma discussão mais detalhada sobre o que é o tempo, isso custaria muito esforço e “tempo” – e isto eu não possuo. Acredito que um filósofo de renome possa nos ajudar; nesse caso escolhi Sêneca. Ele foi um dos expoentes intelectuais do início da Era Cristã. Filósofo, dramaturgo, político e escritor, ele suscitou a inveja do imperador Calígula, mas foi salvo, pois o imperador morreu antes de destruí-lo.
No livro “Sobre a brevidade da vida”, Sêneca discute alguns aspectos que podem nos ajudar a compreender esse fenômeno que parece ser contemporâneo – a rapidez do tempo.
Uma frase famosa da antiguidade: “A vida é breve, a arte, longa” (Hipócrates).
Agora uma do Sêneca, um pouquinho mais longa:
“[...] não temos uma vida breve, mas fazemos com que seja assim. Não somos privados, mas pródigos de vida. Como grandes riquezas, quando chegam às mãos de um mau administrador, em curto espaço de tempo, se dissipam, mas, se modestas e confiadas a um bom guardião, aumentam com o tempo, assim a existência se prolonga por um largo período para o que sabe dela usufruir.” (Sobre a brevidade da vida)
É necessário, como diz Sêneca, saber administrar o tempo de nossa vida. O filósofo romano faz questionamentos para saber se nós aproveitamos o “tempo”, leia e observe suas respostas:
1 – Quando atingistes um objetivo?
2 – Quantas vezes o dia ocorreu como você planejou?
3 – Quanta obra fez para você com um tempo tão longo?
4 – Quando usou o tempo com você mesmo?
As respostas que você deu a essas perguntas do filósofo podem indicar o porquê do tempo estar tão veloz. Observe essa pequena narração:
LEVANTO – os filhos e a mulher dormem. TRABALHO – requer toda minha atenção para não perder o emprego. ALMOÇO – rápido para ter um tempinho para cochilar. TRABALHO – nem precisa repetir. CHEGO A CASA – às vezes faço sexo para relaxar e durmo. LEVANTO –...
A impressão é que essa vida moderna parece ter sugado todas as forças do homem. A mente está tão ocupada com coisas supérfulas que os dias, meses e anos, cada vez mais passam muito rápido – fazendo com que nossa vida se torne curta.
Não é só os adultos trabalhadores que sofrem desse mal, nossas crianças, que estão cada vez mais cedo na escola (para não perder tempo e nem gastar o dos pais) possuem uma carga horária medonha, tem a necessidade de aprender várias línguas ao mesmo tempo e estão cada vez mais submissas à internet. Nunca vi o tempo passar tão rápido quanto a frente do computador – geralmente usado com bobagens.
O idoso se vê fora desse mundo e, isolado percebe que os filhos não têm tempo para ele; o idoso, mais do que ninguém, quer que o tempo corra para morrer.
Para terminar, mais uma citação de Sêneca: “Não julgues que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo.”






segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


Soneto de devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
(Vinícius de Moraes, 1937)



Devaneios

Imerso em pensamentos e um pássaro a cantar. Joyce era livre em um corpo desnudo. Um “show” perdido. O vazio no pensar, o preconceito da diferença. Um negro vestido a caminhar.
Respiração e o ardor do gengibre. Minhas próprias carícias me angustiam. Uma solidão com pessoas ao redor. O pensamento é descontínuo com um fio que liga tudo. Peixes no aquário, pássaros na gaiola – um canto que assola em gritos de liberdade.
Mãos ressecadas, uma tinta muito bonita. Um amor estranho se torna necessidade. O corpo grita por um amor incompreendido e renegado. Morrerei, qual o sentido das coisas? Ou será que é sem sentido perguntar por um sentido? Viajo, sou covarde. Quero romper o cordão umbilical e sangrar até morrer.
Sono. Uma formiga pode ser mais feliz. Regras. Até para escrever fujo, porém caio na vida. O almoço nu. O lanche naquele dia me fez pensar no artificial.
Círculos, retas, flores. Morta a tartaruga se esvai. Entrou novamente no círculo. Será que a vida exprime o que escrevo? Que distancia devo tomar? A vida imita a arte. A arte quem faz sou eu. Somente imito o que os outros fazem. O original realmente se perdeu.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009



My father: Edgar Allan Poe.
"The sentence - the dread sentence of death - was the last of distinct accentuation which reached my ears."
(Poe; The pit and the pendulum)

Pedras escorregadias

Porque sofro por amor? Devo me ausentar, tentar fugir de meus desejos? Quão doce é o colo de meu amor!
Meus olhos só enxergam o belo, o feio sou eu. Meus sentimentos estão confusos, mas minha lucidez é plena.
Acho que não consigo me controlar, a dor no peito é insuportável. As palavras não comportam os alfinetes que ferem meu coração.
Na trilha de um amor quase que impossível as pedras são muito escorregadias e as árvores do caminho sufocam o andarilho.

domingo, 15 de novembro de 2009


“Em primeiro lugar declarei-me pelo olhar: e os seus olhos responderam-me com encorajamentos carinhosos. A muda linguagem, precedendo a voz, soube exprimir com eloqüência e repentino e recíproco ardor que nos fazia suspirar.”
(Satíricon, Petrônio)

domingo, 8 de novembro de 2009


Um dos meus sonetos preferidos; é simplesmente fantástico:



Versos íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão – essa pantera –
Foi a tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade também de ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Augusto dos Anjos)

sábado, 7 de novembro de 2009

Diga que me ama



Diga que me ama com o olhar,
Mesmo falando que me odeia.
Sei que me odeia por me amar.
Quero ambos; amor e ódio se
misturando numa dança sensual.
Místicos devaneios eróticos fundem-se
em beijos duradouros.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Apesar de não possuir uma câmera fotográfica profissional, um dos meus "hobbies" preferidos é captar imagens interessantes. Essa foto, por exemplo, foi tirada em uma cidade do interior. Ela (a foto, que agora possui total autonomia) passa uma paz e uma tranquilidade. Ao mesmo tempo essa imagem tem uma sombra muito imponente que causa um esforço no obsevador para analisar os seus componentes.

Mim mesmo


Odeio estar assim. Eu, senhor de mim mesmo!
Os sentidos me dominam, pareço não me controlar.
Queria poder amar como todos amam.
Sinto-me estrangeiro em terra de todos.
Amo quem não posso amar, escrevo o que não devo escrever,
por isso canto para escapar.
Mas essa saída me trai, me joga contra a parede e me
deixa mais exposto.
Quero cantar, cantar para ti. Hoje amo a mim mesmo para
não amar quem vai a esmo. Já não interessa o luar. Canto
para quem não devo amar, canto para mim mesmo. Prefiro
o sol …
O cantar me entrega.
Por isso entrego o meu cantar a quem não devo amar.
Despojo-me no teu amor como um livro em uma biblioteca
e tento enganar.
É o que faz o cantar.
Faz com que não se saiba quem eu ão devo amar, e faz
com quem eu devo amar saber que eu amo a mim mesmo.
02.01.2007
Figueiredo Neto