segunda-feira, 30 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 5]

Depois que minha mãe me salvou de uma encrenca, Sandro não demorou mais que cinco minutos; disse que ia para casa. Contudo, antes de ir embora, me contou algo interessante: afirmou que esse tal vizinho estava devendo uma boa quantia de dinheiro a ele e da próxima vez iria ameaçá-lo; caso não pagasse, cumpriria a promessa. Estava tentado ir à casa de Sandro, mas o olhar de minha mãe ainda não tinha saído de minha retina. Entrei e fui dormir meu pesado sono vespertino. Despertei! Mãe balançava minha cabeça.
- Acorde que o menino que trabalha no açougue veio dizer que Sandro acabou de ser assassinado. Acho que foi na casa dele.

domingo, 29 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 4]

Desde a minha prima nunca mais tinha visto ele com mulher. Suas psicoses e seu contato com as drogas devem ter deixado ele sem tesão. Vou contar, de uma vez por todas, como foi seu assassinato. Devo adiantar que não presenciei, mas fui ver o corpo minutos depois. Não sei se é privilégio, mas creio ter sido a última pessoa a estar com ele até seu encontro com o assassino.
Minhas idéias às vezes são desconexas, mas tentarei contar sem me perder na empolgação. Não sei se é comum, mas estou com o nível de adrenalina alto nesse instante. Sinto meu coração pulsar em minha garganta. Deixa para lá! Foi numa sexta-feira. Sandro tinha ido entregar cocaína a meu vizinho e, como sempre, passou lá em casa.
A tarde estava muito bonita. Aqui no Brasil isso significa o céu sem nuvens e um calor imenso. Fazia um mormaço tremendo e a árvore de Ficus na frente de casa não balançava uma folha sequer. Estava deitado na rede – suando e quase dormindo – quando ouvi palmas na casa d meu vizinho. Sabia que era Sandro, pois possuía um jeito peculiar de bater com as mãos: as pontas dos dedos da mão direita batam bem no centro da outra mão fazendo um estalo agudo. Foram doze palmas. Lembro até isso! Sabia que viria até minha casa e já passei a ficar sentado na rede.
Estava muito calmo, nunca tinha o visto dessa forma. Estranhei. Perguntou sobre o paradeiro de meu vizinho e respondi que não sabia. Ofereceu-me erva transgênica vinda de um país da América do Sul. Prefiro não dizer o nome da erva. Sim! Tenho surtos de moralismo. O que impressiona é que até essa droga natureba já sofre modificação genética. A condição imposta para ganhar a Mac... a erva era de ir pegá-la em sua casa. Por sorte, minha mãe estava chegando do centro da cidade naquele instante; como estava carregada com compras fui ajudar a segurar as sacolas. Em dois segundos, dois míseros segundos, ela lançou-me um olhar ameaçador. Caso minha mãe não tivesse lançado esse olhar mortal talvez tivesse aceitado o convite de Sandro e poderia não estar contando essa estória. Não gosto de desobedecer minha mãe e nesse caso deu muito certo.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 3]


Não posso deixar de contar mais uma do Sandro: o convidei para uma festa e fui buscá-lo com o carro de meu pai. Creio ter colocado suas melhores roupas e, devo dizer, sem safadeza nenhuma, que ele era uma cara “de presença”. Na verdade esse termo é posto para um homem não assumir que o outro é bonito. Então, Sandro era um cara “de presença”. Voltando à festa: ele foi a sensação, todas as meninas o queriam tirar para dançar. Ele se portava como um burguês – dizia que tinha a melhor moto, que morava na zona sul, etc. Eu apenas admirava sua “performance” de longe. Roubaram um celular nessa festa; desconfiei dele, mas não pude provar.
Um vizinho meu estava comprando pó a ele. Foi esse o motivo de vê-lo com muita freqüência. Trocávamos palavras duas vezes por semana sempre para me perguntar se eu tinha visto o filho dele; depois me contava suas inquietações. Em uma das conversas à porta de minha residência afirmava estar sendo observado por uma pessoa da casa ao lado da minha, mas eu não conseguia ver nada. Ele continuava a dizer que tinha alguém lá no escuro. Como não vi nada dei de ombros. Acho que é uma expressa antiga, “dar de ombros”. Devo ter lido em algum livro, pois nunca vi ninguém usar isso. Realmente não entendia essa mania de perseguição de Sandro e encarava como uma dessas doenças urbanas que os psicólogos inventam todos os dias. Não quero que os profissionais da psicologia se sintam hostilizados pelas minhas palavras. Reitero: não entendo nada de psicologia. E, quando afirmei que eles inventam doenças... Ah! Deixa para lá.
Minha empolgação em contar essa estória me fez se esquecer de descrever Sandro. Já tinha dito que era “de presença” e vou entrar em detalhes. Como me disseram que beleza é algo relativo e cultural, cheguei a essa conclusão, pois todas as garotas que o viam se interessavam por ele. Tinha os olhos castanhos e sempre deixava a barba por fazer. Tinha a pele branca e era magro, mas de uma magreza não anoréxica. Uma coisa que achava curioso em seus trejeitos era que nunca piscava quando alguém lhe estava contando algo. Arregalava ligeiramente os olhos e lhe encarava sem desviar a atenção. Possuía um topete natural que caía na testa e fazia-o parecer um italiano da década de 1960. Sandro foi a primeira pessoa que me disse não gostar de música. Pelas poucas vezes que fui a sua casa pude perceber que não possuía aparelho de som, aliás, aparelho eletrônico só havia uma TV e um aparelho de DVD. Era fanático por futebol gostava do time de maior torcida do Brasil. Não vou citar o nome desse time, pois o detesto.



terça-feira, 24 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte 2]

Não falava uma palavra sem mexer no nariz. Foi nesse momento que ele observou no céu uma estrela cadente. Infelizmente só pude ver o final desse fenômeno – um dos mais bonitos da natureza. Ele fez um pedido inaudível aos meus ouvidos. Logo após percebi que ele realmente estava com problemas. Começou a contar uma história sem pé nem cabeça. Afirmava a todo o momento que já possuía dinheiro para comprar uma moto. Disse, ainda, que tinham arrombado sua casa e atirado seu sofá na maré. Quando tinha chegado ao começo da rua em que mora, ou seja, no alto da ladeira, pôde observar seu sofá boiando nas águas poluídas e salgadas da maré que, como disse anteriormente, era o final da rua. Sandro disse que não sabia como e quando sua casa foi arrombada, pois estava fora há três dias. Estou louco para contar logo seu assassinato, porém é muito importante contar como foram meus últimos contatos com ele – não quero botar a carroça na frente dos bois.  Nesse mesmo dia afirmou estar sofrendo uma perseguição. Não entendi a princípio e não dei importância ao que ele falava, mas segurou meu braço e apertou:
- Acho que querem me matar, mas não sei quem é. Ontem a noite estava deitado na cama e ele tirou uma telha e ficou me observando lá de cima. Só seu para ver a parte branca de seus olhos. Não conseguia me mexer de medo e pegue no sono; quando acordei a telha estava faltando.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

SEM CORAÇÃO [parte I]


Devo confessar que sou um leitor voraz, mas sempre esqueço o nome dos livros. Tenho a necessidade de dizer isso antes de iniciar a história propriamente dita. Preciso ser viril para terminar ela – o que acabei de dizer não é original, pois li em um livro de uma mulher. Concordo com a autora: escrever exige força e tenacidade. Vou contar os fatos que antecederam um assassinato, mas não foi uma morte comum. É comum morrer, porém dessa vez me impressionei. Não fico abismado rápido com as coisas e sei que não sou um bom narrador. Vou correr um enorme risco tentando contar esses eventos. Quero pedir desculpas antecipadamente, pois sei que sou inconstante  – posso parecer empolgado e, logo na seqüência, não demonstrar nenhuma emoção. Agora, portanto, estou ansioso para contar a estória do assassinato de um conhecido meu.

Sandro era seu nome. O conheci através de uma prima, visto ser ele pai de seu filho. Para minha sorte – e dela – esse relacionamento não durou muito. À primeiro vista ele era esquisito: morava só, ninguém sabia quem o sustentava e andava bem arrumado. Com certeza roupas de marca não faltavam em seu armário. De uma coisa eu sabia com certeza, não deve ser surpresa; já devem imaginar que ele usa drogas. Eu mesmo já tinha fumado um entorpecente popular com ele, mas agora sabia que estava viciado em cocaína. Contudo, ele mesmo me informou que agora estava vendendo essas substâncias. Lembrei que meus amigos sempre caçoavam de mim por utilizar a palavra entorpecente. Gosto dessa palavra, pois parece exprimir os efeitos das drogas: e-n-t-o-r-p-e-r-c-er. Sandro morava em um local inóspito, pelo menos para mim, pois era uma vila perto de uma maré. A rua era uma ladeira e não possuía asfalto; era um lugar tenebroso: as casas não tinham reboco, o que dava um aspecto ainda mais feio ao local. Era um lugar pobre típico do Brasil. O movimento nessa rua era bastante intenso porque na última casa havia uma “boca de fumo” e gente de todos os tipos desciam a ladeira para comprar drogas.

Certa vez, Sandro chegou afobado lá em minha casa. Minha mãe tinha ido atender a porta e já veio me dizendo:

- Já falei que não gosto desse rapaz. Para de andar com ele. Basta o que fez a sua prima.

Estava completamente “chapado”.