sexta-feira, 2 de julho de 2010

Festa do mastro em Capela – parece que Núbia Marques (escritora sergipana) leu meus pensamentos.

(Foto: by myself. Praça São Pedro, Capela-SE)


Todos os anos a família de minha mãe fica em polvorosa com a aproximação das festividades juninas, visto que sua cidade de origem – Capela, 67 km de Aracaju – celebra a festa de São Pedro, um dos santos mais importantes do mês de junho. Particularmente não gosto da festa, pois a casa de minha mãe se torna um alojamento de parentes e estranhos – não gosto dessas aglomerações. Mesmo não participando dessa festividade, ela não deixa de chamar a minha atenção pelos seus rituais pagãos. É nesse sentido que Núbia Marques entra em cena. Estava lendo uma de suas obras durante esse período em que o Nordeste se rende às bandas de pseudo-forró; nome do livro: “O luso, o lúdico e o perene e outros ensaios”.
Sempre achei a festa do mastro em Capela interessante e emblemática. Uma folia em que um bando de pessoas meladas de lama adentra a mata do Junco (ironicamente uma reserva florestal) a arrancam uma árvore (mastro). Durante esse percurso, as pessoas, com o corpo totalmente coberto pela lama que os deixa indistinguíveis uns dos outros, são abastecidas pela cachaça produzida na cidade. O pau é conduzido pela cidade como um troféu, todos querem tocar nele e galhos são retirados como se fossem mágicos. O mastro é erguido em uma praça da cidade e é enfeitado com os prêmios ofertados pelos moradores e recolhidos pela “Baiana” (homem negro que se veste de mulher e recolhe brindes com um cesto na cabeça). Esse pau é queimado em sua base e, ao cair, começa a guerra de espadas e buscapés – essa guerra faz com que só peguem os brindes os corajosos.
Núbia Marques, estudiosa em cultura popular, afirma que segundo a tradição religiosa cristã, o levantamento do mastro está ligado à lenda de erguer um pau “na ocasião do anúncio de nascimento de São João”. A escritora sergipana ainda exprime que essas festividades são correlacionadas com o culto a fertilidade das sociedades pagãs. O símbolo da fertilidade, por excelência, é o falo (falo = pênis), por isso essas festas são conhecidas como falocêntricas. É curioso que a autora, que nessa obra estuda a influência européia na cultura sergipana, identifica semelhanças entre a festa de Capela e o folguedo de São Hermes na Bélgica: em ambas existe o culto ao fogo e às árvores e os tiros dados por fuzis são parte da festa (em Capela os tiros são disparados por uma arma chamada de “Bacamarte”). O tema profano faz parte da brincadeira. Príapo, divindade romana representada com um enorme falo, parece não ter nada a ver com isso, mas tem.
A tese da autora afirma que os resíduos da cultura ancestral emergem do inconsciente coletivo viabilizando a cultura popular, presente nas atividades do ser humano.
Agora entendo a excitação de minha família em ir a essa folia. O significado de ficar irreconhecível ao se melar de lama, cultuar um pau e entrar em procissão pela cidade enquanto a mente é inebriada pela cachaça, queimá-lo para receber os regalos amarrados nele são agora compreendidos por mim. Talvez minha família não tenha essa consciência, mesmo assim estarão lá, no próximo ano, cultuando o falo.





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